O TÚNEL E O SINO DO CRASTO DE STO XISTO

Foto 1 - Castro e Aldeia de Sto Xisto visto de Sul

.O túnel e o sino do Crasto de Sto Xisto
.Fundação de Paredes de Gueda

O Castro de Sto Xisto ou "Povoado de Muro", lugar habitado e fortificado da Idade do Ferro com posterior ocupação romana, encontra-se localizado na Freguesia de Vilarinho dos Freires, Peso da Régua, mais precisamente no cume mais alto situado a norte da aldeia de Santo Xisto.

As gentes da terra chamam-lhe "Crasto" ou "Morro do Crasto".

Diz a lenda, narrada pelas vozes dos anciãos da freguesia, que no crasto existe um túnel que o liga até ao Rio Tanha e que era usado pelos seus habitantes para acederem ao rio para abastecimento de água à população. Segundo os mesmos anciãos, nesse túnel é possível ouvir o badalar de um sino.


Foto 2 e 3 - Castro de Sto Xisto visto de Sul

Como castro que se preze, este, o de Sto Xisto, também possui lá no alto a sua 'moira' - pena ou penha, que nem uma 'parafita'[1] natural, autêntica sentinela 'olhando' o universo que o rodeia, 360° plenos de um horizonte paradisíaco, digna morada de deuses.

Desconhece-se se a 'moira' se encontra encantada ou não, como geralmente o são todas as 'moiras' segundo a sabedoria do nosso Povo Ancestral. Queremos crer que sim.

Foto 4 - Moira do Castro de Sto Xisto

FUNDAÇÃO DE PAREDES DE GUEDA

Este local traz-nos ainda à memória o mítico e lendário fundador de Paredes de Gueda, Dom Gueda Guedeão, "O Velho", famoso cavaleiro medieval portucalense algures dos inícios da era de 1000, filho do moçárabe Mendo Gomes e de D. Eufrázia, irmã de Santo Eugénio, arcebispo de Toledo. Dele descendem o fundador da Igreja de São Miguel de Lobrigos, bem perto do Castro de Sto Xisto, Dom Gomes Mendes Guedeão, seu neto, governador que foi das terras de Celorico de Basto e de Panoias, e o filho deste, Egas Gomes Barroso, seu bisneto, a quem o rei Afonso I de Portugal doou Lobrigos apelidando-o de «alumpno e fideli vassalo meo».

Como diz a lenda, Dom Gueda fundou Paredes de Gueda, que o povo referência actualmente como Paredes e Presegueda, dois lugares de Vilarinho dos Freires.

E porquê nos veio à lembrança Dom Gueda?

Decerto, queremos crer, que Dom Gueda passou, esteve, pernoitou, ou até viveu no Castro de Sto Xisto. Por lá já tinham passado os nossos ancestrais da idade do ferro, celtas, romanos, muçulmanos, germânicos, cristãos… até que chegou, ou terá chegado, Dom Gueda, o mítico herói da Presegueda - Paredes de Gueda.
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Notas:
[1]
1.-

- pedra muito grande;
- monumento antigo construído com pedras grandes; monumento megalítico.

de 'perafita', do latim 'petra-' "pedra" + '-ficta' "esculpida"),

in Dicionário infopédia da Língua Portuguesa. Porto: Porto Editora, 2003-2021. [c.23.3.2021].

2.-
Significado de Perafita
Grande pedra ou antigo monumento megalítico. (Por 'pedra-ficta' = "pedra fixa")

in Lexico.pt - Dicionário de português online. [c.23.3.2021].
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Foto 1, 2 e 3 de © José Ferreira | Facebook, @jose.ferreira.754365 | Instagram, @photo_joseferr
Informante e texto: José Ferreira | Facebook, @jose.ferreira.754365 | Instagram, @photo_joseferr

Foto 4 de © Monteiro deQueiroz
Recolha e texto de Monteiro deQueiroz, [r.22.3.2021]
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LENDAS E NARRATIVAS D'OURO
COLECTÂNEA - RECOLHA

[ VILARINHO DOS FREIRES - SANTO XISTO - RIO TANHA - PAREDES DE GUEDA
- PRESEGUEDA - DOM GUEDA - CASTRO DE STO XISTO - MOIRA - POVOADO DE MURO - TÚNEL - MOUROS ]

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“Se não defendermos o que é nosso, quem é que o defende?”

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Eduardo José Monteiro deQueiroz
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TRIBUNAL DAS AUDIÊNCIAS DO DIABO - RIO VAROSA


"Ponte do “Tribunal das Audiências do Diabo”

A ponte sobre o rio Varosa que liga Valdigem a Sande (concelho de Lamego) é conhecida pelo povo como o 'tribunal das audiências do diabo'.
Segundo se consta, este nome deve-se por outrora ter sido um local onde se faziam 'acertos de contas' entre homens desavindos. Esses acertos de contas estariam relacionados sobretudo a questões de honra e para que o bom nome fosse limpo."

Texto e Foto: © RuiJorgePires | Olhar D'Ouro | Facebook, @olhardouro, https://lamegoimage.blogspot.pt/, [21.3.2018]
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Recolha de Monteiro deQueiroz, [r.22.3.2021]
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[ VALDIGEM - SANDE ]

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A LENDA DO LAPADAS [III] Soneto para um mítico herói


LAPADAS

(Soneto para um mítico herói de Santa Marta de Penaguião)

Senhor de enorme força, talento às carradas...
As certeiras grossas lapas tinhas por fuzil.
E, por isso, te chamaram o Lapadas,
Luso-herói afrontador da corja vil!

Lá do alto dos penhascos do Marão,
Sobranceiros às terras de Santa Marta,
Distribuías, com vigor, lapada à farta...
Aos estrangeiros saqueadores do nosso pão!

Sentinela do nosso torrão, intrépido cuidador,
Ao indesejado intruso mostraste teu vigor...
Guerreiro atento, soberano guardião!

Os vindouros não olvidaram tua coragem...
E te ergueram pétrea-estátua, em homenagem,
No ilustre palacete da Câmara de Penaguião!


Entroncamento/Tomar - 1 de Junho de 2017


Autor: Alfredo Martins Guedes

Publicado por Alfredo Guedes em ‘Freguesia de Lobrigos, São Miguel e São João Baptista, e Sanhoane’ - https://www.facebook.com/freguesialobrigosesanhoane/
26 de dezembro de 2017

Publicado em https://www.facebook.com/alfredo.guedes.75
24 de abril de 2019
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Foto1: (c) 2011 ADzivo
Foto2: (c) Alfredo Martins Guedes
Recolha de Monteiro deQueiroz
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LENDAS E NARRATIVAS D'OURO
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SANTA MARTA ]

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A LENDA DO LAPADAS [II] E SÃO MIGUEL ARCANJO


'Reza a lenda que numa noite de luar de se enxergar a altas horas da noite e abertura de pipos de vinho novo no armazém de cada um, a rapaziada passeava-se na estrada de macadame em frente à quinta dos 'rolas' em Santa Marta, freguesia de São Miguel de Lobrigos...

Ávidos das habituais 'maroteiras' e movidos pela aposta do acerto na pontaria dirigida à espada de São Miguel Arcanjo (estatueta no frontal do telhado do palacete, agora edifício sede do município) e à 'lapada' (pedras ladeiras do tamanho de uma mão) alguma dessas almas da freguesia, deferiu em rude acerto com estrondo e precisão, golpe irremediável na dita espada, desfazendo-a em pedaços bem mais minguados que todas as lapadas que ficaram pelo esventrado telhado. Ficou assim o arcanjo em vez de, com uma espada empunhada, uma 'lapada' na sua mão.

No raiar do dia vindo, o espanto e o falatório não continha em cada frase outra entoação que não fosse a palavra 'lapada' ou o arcanjo de lapada na mão.'

por Norberto Teixeira
20 de junho de 2019
https://www.facebook.com/norberto.teixeira/posts/2923441954349180
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'Nós conversamos na juventude sobre isso, esta história foi-me contada há 40 anos pelo Ni Rola, como sabes é um descendente da família proprietária da casa depois vendida à Câmara, história essa que era contada pelo avô dele.'

por Norberto Teixeira
@norberto.teixeira
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Nota: "Miguel (em hebraico: מִיכָאֵל, Micha'el or Mîkhā'ēl; em grego: Μιχαήλ, Mikhaíl; em latim: Michael or Míchaël; em árabe: میکائیل, Mikā'īl) é um nome atribuído na Bíblia a um anjo ou arcanjo, numa posição de líder de exércitos celestiais. É um dos três anjos mencionados por nome na Bíblia, juntamente com Rafael no livro de Tobias e Gabriel no evangelho de S.Lucas, e é o único chamado de arcanjo. É o anjo do arrependimento e da justiça. É comemorado pela Igreja Católica sob o nome de São Miguel Arcanjo no dia 29 de Setembro." 
in [https://lifestyle.sapo.pt/astral/espiritualidade/artigos/sao-miguel-arcanjo], [r.20.mar.2021]

Recolha de Monteiro deQueiroz, [20.jun.2019]
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A LENDA DO LAPADAS [I]

Tenho uma muito ténue ideia de ter ouvido há já imenso tempo, no meu seio familiar, que 'O Lapadas' tinha sido um nobre e valoroso guerreiro penaguiota que, em tempos já esquecidos, tinha corrido os invasores destas Terras de (Santa Marta de) Penaguião 'à lapada'. E que dessa forma conseguiu com que o povo ficasse livre dessa gente estrangeira e opressora. Daí ter ficado para a história lendária como 'O Lapadas'!

Será que sonhei com esta lenda (versão) que vos acabo de contar?

Será que esta versão terá a ver, muito longinquamente, com a Lenda de Dom Thedom e Dom Rausendo?

Questionei e pesquisei na rede sobre o assunto e pouca informação consegui obter para além das versões dos meus amigos Alfredo Guedes e Norberto Teixeira, às quais junto contributos dos também amigos António Pereira e Eugénia Gouveia e do blogue 'Portugal tem piada!'
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VERSÕES OBTIDAS:

1ª.a.
LAPADAS

(Soneto para um mítico herói de Santa Marta de Penaguião)

Senhor de enorme força, talento às carradas...
As certeiras grossas lapas tinhas por fuzil.
E, por isso, te chamaram o Lapadas,
Luso-herói afrontador da corja vil!

Lá do alto dos penhascos do Marão,
Sobranceiros às terras de Santa Marta,
Distribuías, com vigor, lapada à farta...
Aos estrangeiros saqueadores do nosso pão!

Sentinela do nosso torrão, intrépido cuidador,
Ao indesejado intruso mostraste teu vigor...
Guerreiro atento, soberano guardião!

Os vindouros não olvidaram tua coragem...
E te ergueram pétrea-estátua, em homenagem,
No ilustre palacete da Câmara de Penaguião!


Entroncamento/Tomar - 1 de Junho de 2017

Autor: Alfredo Martins Guedes

Publicado por Alfredo Guedes em ‘Freguesia de Lobrigos, São Miguel e São João Baptista, e Sanhoane’ - https://www.facebook.com/freguesialobrigosesanhoane/
26 de dezembro de 2017

Publicado em https://www.facebook.com/alfredo.guedes.75
24 de abril de 2019
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1ª.b.
«O Guerreiro Lapadas com a sua pedra na mão!!! Segundo a história "ganhou" uma batalha à pedrada.
Ouvi essa história muitas vezes amigo! Trabalhei em frente a essa estátua durante 9 anos... Via-a todos os dias, e era essa a história que contavam!»

por Antonio Pereira
@antonio.pereira.92754
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1ª.c.
«Não sei é lenda só sei que eu tinha medo que me atirasse a pedra e corria a sete pés.
Era eu pequenina, ia com a minha irmã levar o almoço ao meu pai que trabalhava na adega, ia de Lobrigos a Santa Marta a pé, tinha sempre medo do Lapadas já lá vão uns quarenta e tais.»

por Eugénia Gouveia
@eugenia.gouveia.509
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1ª.d.
«O que você precisa é de umas boas lapadas!
Não me diga que nunca tinha ouvido falar deste guerreiro (e vinho) de Santa Marta de Penaguião...


in blogue 'Portugal tem piada!', 22.jan.2013
[http://portugaltempiada.blogspot.com/2013/01/o-que-voce-precisa-e-de-umas-boas.html]
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O LAPADAS...
segundo Norberto Teixeira


«A origem de...
'O Lapadas'

Pela sua relação direta com os penaguienses e salvo melhor opinião...

Reza a lenda que numa noite de luar de se enxergar a altas horas da noite e abertura de pipos de vinho novo no armazém de cada um, a rapaziada passeava-se na estrada de macadame em frente à quinta dos 'rolas' em Santa Marta, freguesia de São Miguel de Lobrigos...

Ávidos das habituais 'maroteiras' e movidos pela aposta do acerto na pontaria dirigida à espada de São Miguel Arcanjo (estatueta no frontal do telhado do palacete, agora edifício sede do município) e à 'lapada' (pedras ladeiras do tamanho de uma mão) alguma dessas almas da freguesia, deferiu em rude acerto com estrondo e precisão, golpe irremediável na dita espada, desfazendo-a em pedaços bem mais minguados que todas as lapadas que ficaram pelo esventrado telhado. Ficou assim o arcanjo em vez de, com uma espada empunhada, uma 'lapada' na sua mão.

No raiar do dia vindo, o espanto e o falatório não continha em cada frase outra entoação que não fosse a palavra 'lapada' ou o arcanjo de lapada na mão.»

por Norberto Teixeira
20 de junho de 2019
https://www.facebook.com/norberto.teixeira/posts/2923441954349180

«Nós conversamos na juventude sobre isso, esta história foi-me contada há 40 anos pelo Ni Rola, como sabes é um descendente da família proprietária da casa depois vendida à Câmara, história essa que era contada pelo avô dele.»

por Norberto Teixeira
@norberto.teixeira
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3ª
Em relação à palavra 'lapa' há quem atribua a sua origem ao celta 'lappa' que remete a 'pedra' ou 'rochedo'. Se 'lapa' = 'pedra', também 'lapada' será = 'pedrada'. Tenho também a ideia de que 'lapada' seja sinónimo de 'bofetada', talvez por confusão com 'latada'.

A Oés-noroeste - ONO da Vila de Santa Marta existe referência a um vale, o "Vale da Lapa", inserido na denominação "Quinta do Vale da Lapa", com a seguinte georreferenciação: 
(DMS) 41°13'05.2"N 7°49'00.6"W; 
(DD) 41.218107, -7.816821; 
(Plus Code / Código+) 659M+67 Medrões.

Poderá a origem do nosso mítico Lapadas ter a ver com a Lapa que deu origem ao Vale da Lapa?


Fotos da Lapa

Foto 2

Foto 3

Foto 4
  
Foto 5
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Créditos:
Foto1 - (c) 2011 ADzivo
Imagem1 - São Miguel Arcanjo, pintura de Juan de Espinal
Imagem2 mapa - 2021 Monteiro deQueiroz/My Maps/Google
Foto2a5 - (c) 2021 Monteiro deQueiroz 
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Monteiro deQueiroz
TEXTOS, ESTUDOS, RECOLHAS e CONTRIBUTOS...
Colectânea de Textos e Outros...
"SE NÃO DEFENDERMOS O QUE É NOSSO, QUEM É QUE O DEFENDE?"
[https://docsdequeiroz.blogspot.com]
[https://docsdequeiroz.blogspot.com/2020/11/quem-foi-o-lapadas.html][p.21.nov.2020]
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A LENDA DOS MENINOS DO CASTELO DE FORNELOS


[LENDA-NARRATIVA FICCIONADA DE AUTOR]

Em 1740, Fornelos era uma vigararia, com algumas casas e uma Igreja em construção, fundada por um grupo de 11 moradores.

Em março de 1809 já era uma vila com bastantes e assenhoreadas casas cercadas por vinhais de boa cepa. A população bastava-se por si mesma. Cuidava das suas plantações de batatas, hortas, criavam borregos, cabras e bois. Almocreves passavam de quando em vez e traziam novidades que não se fabricavam por lá. Também lá ia uma senhora de rosto manchado, xale e um grande avental, que vendia peixe salgado do mar para que pudesse resistir. O mar ficava muito longe, lá para os lados do Porto e Vila Nova de Gaia. Os peixes chegavam a Peso da Régua em lombos de burros. A valente senhora fazia o percurso de Santa Marta até Fornelos para vender o seu peixe, cujo cheiro não era comum por aquelas bandas. As crianças corriam para assistir à venda no largo da Nogueira, junto à fonte, para ver como eram grandes aqueles peixes. Normalmente ela trazia arraias e sardinhas, uns cachuchos, umas sardas.

Durante todo o dia 12 de março não se falava em outra coisa que não fosse a iminente invasão das tropas francesas. Napoleão já tinha invadido Portugal uma vez e agora o fazia pela segunda vez. Na mitra da aldeia reuniram-se os anciãos aos jovens para decidirem o que fazer no caso das tropas passarem por lá. Esconderam o que puderam ao pé de árvores conhecidas, mas as garrafas de vinhos de todos os anos que haviam passado, testemunhos de boas colheitas, essas dariam muito trabalho para esconder. Ficariam nas adegas subterrâneas das casas. Mulheres e crianças ficariam na Igreja a orar. Os mais velhos ficariam na escuta e na observação. Os mais jovens pegaram em seus bacamartes, velhos arcos e bestas e postaram-se na única entrada da aldeia, na estrada que a ligava a Santa Marta. Essa estrada ainda existe. Essa era toda a força de defesa que Fornelos poderia ter. Não havia um castelo onde se refugiar, guarnição do exército, nada. Mas se os franceses chegassem até lá, poderiam até entrar, mas muitos jamais sairiam. Isso poderia ser de grande ajuda para os expulsar do território. Quanto mais se enfraquecessem as forças de Napoleão, melhor seria. O Rei, D. João VI, de título “Rei de Portugal Brasil e Algarves” até se tinha mudado para o Brasil, um dos reinos, para evitar que a invasão fosse consumada, pois que para vencer, naqueles tempos, não era suficiente invadir. Havia que se prender, derrubar o Rei, como ainda hoje se faz nos jogos de xadrez. D. João VI não lhes deu esse prazer e tornou-lhes a vitória impossível, porque para o apanharem teriam que viajar até o Brasil e enfrentar a esquadra portuguesa juntamente com a inglesa, a rainha dos mares.

Mário, Afonso, Pedro, Adalberto e Otílio eram crianças entre os 12 e os 16 anos. Foram para a Igreja com os outros, mas logo entre cochichos resolveram que o melhor era ir ajudar os mais velhos. Sorrateiramente evadiram-se da Igreja e foram apanhar as suas fisgas. Uma fisgada no olho de um francês tinha que causar algum estrago. A noite estava fria, chuvosa, Em noites como aquela, em outros tempos, seus pais, mães, algumas avós, costumavam contar-lhes histórias enquanto tomavam um leite quente de cabra, com migas de pão. As histórias terminavam sempre quando já estavam aconchegados com os pés quentes por uma botija de água aquecida no lume das brasas da lareira. Naquele frio, fora da igreja, muitas histórias passaram pela cabeça dos cinco pequenos amigos. Seu temor era imenso naquele negrume da noite fria. Começavam a tremer sem saber se era do frio ou de medo. Certamente tremiam pelos dois motivos. Tinham certeza e imensa fé de que poderiam ajudar a salvar a aldeia se preciso fosse. Pararam e de mãos dadas, fizeram um pequeno circulo e rezaram a Deus.
No meio da oração, Afonso, o mais novo, perguntou aos outros:
- Olhem lá... Como é Deus para lhe podermos rezar de forma a que ele nos ouça? Não podemos rezar sem sabermos como ele é. Podemos enganar-nos e rezar ao deus dos franceses e ele não vai nos ouvir.
- Minha mãe reza a Jesus - disse Pedro, o mais novo - Estou justamente a pensar nele.
- Mas ouvi dizer - atalhou logo o Adalberto - que existe também o Buda, o Alá e outros.
- É sim! - concordou Otílio - Então deve haver outro Deus maior ainda e mais forte que será o chefe deles. Vamos rezar-lhe que é mais seguro.

E completaram a oração. Logo em seguida começaram a ouvir dois tipos de ruídos. Eram fortes chiados de rodas e passos fortes de botas que vinham dos montes, misturados ao som de ferraduras de cavalos ao bater no chão pedregoso dos montes ao redor da vila. De outro lado, no cimo da aldeia, lá no cimo, para os lados do cemitério, um som mais parecido com um longo e forte silvo grave, abafado. Imaginaram logo que o chiado era de rodas de canhões, acompanhados de soldados armados e cavalaria. Estavam perdidos. Na igreja logo souberam que uma força de Napoleão se aproximava da aldeia e eram muitos a julgar pelos sons. Na aldeia os mais velhos podiam contar quantos cavalos eram, quantos homens, quantos canhões, porque estavam habituados aos sons que vinham de cada monte. Calcularam uns cinquenta homens, e vinte cavaleiros com um canhão e 12 carroças. Não era o exército de Napoleão. Seria uma força que se desgarrara do exército principal para conseguir mantimentos para o corpo de invasão.

Olharam então para trás. Havia um castelo enorme lá no cimo da aldeia. Não havia uma só luz acesa. Era um monstro imenso. No alto tremulavam a bandeira inglesa e a portuguesa, que colhiam reflexos que passavam entre uma nuvem e outra na noite escura. Parecia um imenso fantasma. Em cada ameia, imponente, a figura de um rei português desde D. Afonso Henriques, o fundador, até D. João VI. Todos já mortos menos o último que estava no Brasil. 

Podiam reconhecê-los pelas figuras que tinham visto na escola, uma casa alugada onde a professora esquentava suas belas pernas no braseiro. Todos já se tinham oferecido para ir apanhar o braseiro e colocá-lo demoradamente aos pés dela, debaixo de sua grande mesa. Ouviram também comentários, com todo o respeito, vindos de homens solteiros e também dos casados da aldeia, coisa que nem se atreviam a comentar para não levar uns tabefes. Chegavam a ir para o alto do rio, escondidos entre as moitas, na esperança de vê-la a lavar roupa e sair para abrir o milheiral. Às vezes era assim. Quando alguma mulher ia para o meio do milheiral, logo do outro lado o milho se abria como por encanto e as duas trilhas se uniam lá no meio. Mas nunca viram a bela professora lavar roupa e muito menos ir para o meio do milheiral.

Correram para a Igreja e aos gritos avisaram quem lá estava. Os homens que estavam mais perto logo se deram conta também e todos correram esbaforidos, rua acima, a caminho do castelo de Fornelos. Ainda era um bom caminho a percorrer cheio de fragas roliças que faziam escorregar. Cada um com sua fisga e um monte de pedras nos bolsos, os cinco pequenos lá foram, correndo o tanto que podiam. Volta e meia escutavam uma imprecação dos mais velhos que se repetia amiúde:
- Ora esta, carago... Um Castelo em Fornelos, caneco!...
- E os franceses, esses safardanas, estão a vir ou estão ainda a monte?

Quando chegaram ao Castelo não viram ninguém. Não havia um rei sequer nas ameias nem na torre de menagem. Nem bandeiras. Nem castelo havia. Era apenas uma sombra que se dissipava entre o nevoeiro da manhã. A chuva parara. Incrédulos, apuraram os ouvidos para escutar se havia movimento dos franceses. Nada. Só se ouvia o piar de cotovias, tordos, pintassilgos. Quando chegaram à aldeia, os primeiros alvores do dia haviam feito o céu brilhar como dantes.

Quando chegaram ao largo da Nogueira, quase na saída da aldeia, viram um soldado francês embriagado. Tinha nas mãos uma garrafa de vinho tinto, da safra de 1808, do ano anterior, praticamente vazia. Trocava as pernas apoiando-se num bacamarte. Ao vê-lo, Abílio, o mais velho, apanhou a sua fisga. Rapidamente atirou-lhe uma pedrada que bateu na testa do "chausseur de Fischer", tipo de unidade francesa da guerra peninsular conhecida como "caçador". Em vez de gritar em francês, o homem soltou uma imprecação bem conhecida, com uma voz inconfundível.
- Malditos franceses, carago!
Era o Américo, homem de posses e já meio passado na idade, que gostava de entornar uns copos. Tinha ficado porque já estava mal das pernas e cansado. Vestira uma roupa velha do exército francês ainda da primeira invasão para passar desapercebido. Aproveitara a ocasião para entrar numa adega e tomar os últimos copos de sua vida. Nenhum francês entrara na aldeia.

A caminho do Porto o Marechal francês Nicolas Jean de Dieu Soult perguntava a seu oficial de campo onde estaria aquele destacamento que destinara para assaltar as aldeias e trazer mantimentos. O oficial informou que esse se perdera e não tinha notícias. Haviam desaparecido.

Na aldeia, os garotos comemoravam a façanha. Haviam pedido desculpa ao Américo e até haviam ajudado a fazer-lhe o curativo no galo que lhe parara de crescer no meio da testa. Por pouco não lhe batera no olho. Homens e mulheres comentavam sobre o lindo castelo que aparecera e desaparecera numa única noite.

Orgulhosas, as crianças comentavam os acontecimentos entre si. Disse o Otílio:
- Estão a ver? Que grande pedrada. Se fosse um francês eu tinha acertado. Palavra que tinha! Sabem qual é o nome do gajo que comanda os franceses? João de Deus Soult. Que Deus será esse o dos franceses? Deve ser muita fraco pá!

Em 1983 visitei Fornelos. A roupa que o Américo usava não sei que fim levou. O caruncho deve-a ter rilhado toda. As garrafas nas adegas ainda estão lá. Agora muito menos, mas estão marcadas a tinta branca com a data da safra do vinho. Os franceses desse não beberam. O bacamarte foi vendido a um almocreve que fazia o trajeto entre o Viso e Fornelos e que morreu mais tarde numa luta com outro almocreve, galego. Dizem que em certas noites umas luzes andam para cima e para baixo até se encontrarem na metade do caminho onde ainda existe uma capela, em honra de Santa Eufêmia, e então depois de breves segundos juntas, desaparecem.

O vinho que tomei, da safra de 1810, data da última invasão francesa quando o exército de Napoleão foi derrotado na batalha de Toulouse, era muito bom. Ainda lhe sinto o paladar. Napoleão perdeu a prova de um grande vinho que talvez tivesse mudado o rumo da história. Hoje, esse vinho teria 202 anos. Se passar em Fornelos, pergunte se ainda o há. Se não houver, tome qualquer outro de qualquer safra Todos são excelentes e honestos. Não devem nada aos de Napoleão.

por Rui Rodrigues (Fornelense emigrado no Brasil) 
segunda-feira, 14 de maio de 2012
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por Rui Alberto Monteiro Rodrigues
[https://www.facebook.com/ruialberto.monteirorodrigues.50]
[Cabo Frio, Rio de Janeiro, Brasil]
in A Lenda dos meninos do Castelo de Fornelos
[in blogue Bar do Chopp Grátis - https://bardochoppgratis.blogspot.com/2012/05/lenda-dos-meninos-do-castelo-de.html] 

Recolhido por Monteiro deQueiroz, [r.17.03.2021]
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