[LENDA-NARRATIVA FICCIONADA DE AUTOR]
Reza a lenda que num belo dia, em plena Idade Média, um nobre cavaleiro francês, o Conde de Guião, que andava em campanhas por Terras do Douro e Marão, mandou queimar uma capela localizada algures nas terras montanhosas de Pinna Guian.
Após ter cometido tão grande sacrilégio apareceu-lhe Santa Marta. O Conde, envergonhado, não quis enfrentar a Santa, rodopiou levemente sobre si para a esquerda e tapou a face com a mão direita.
A Santa questionou o Conde pela sua afronta e sentenciou-lhe um castigo: a partir daquela data iria plantar uma vinha de raiz e cuidar dela. Deixava assim de ser um nobre guerreiro e passaria a ser um simples vitivinicultor, um homem do povo.
Arrependido e humilhado, o Conde destapou os olhos e reparou que tinha a seus pés um corvo, ave profética e sagrada, símbolo do mal.
Virando-se para a cultura da vinha a fim de cumprir a pena que lhe fora sentenciada, o Conde, agora o "Vitivinicultor Guião", foi cumprindo, contrariado, ao longo dos anos e até ao fim da sua vida a sua dura penitência. Antes nada tinha produzido para além de guerrear, matar e saquear. E granjear a vinha é duro! Só mesmo quem conhece do ofício é que sabe! Três meses de Inverno e nove de Inferno, assim fala o povo destas paragens. E trabalhar durante o inverno, e no inferno, não é "pera doce" nem para qualquer um!
No fim da sua primeira vindima, ao ver o fruto do seu trabalho, a Guião até os olhos se lhe brilharam de felicidade. Pela primeira vez via o produto do seu árduo, duro e justo trabalho de anos: os cachos de uvas da sua vinha; o resultado do seu suor. E uma vinha não produz logo no seu primeiro ano.
Entretanto, a capela antes incendiada já tinha sido reconstruída. Guião ofereceu então, reconhecido, à Santa as primeiras uvas da sua primeira vindima, fruto do seu trabalho, produto do cumprimento da sua pena. Dessa forma, Guião, agradecia e pedia também à Santa o seu perdão final.
O Conde estava perdoado. A Santa tinha-o perdoado. Podia então morrer em paz.
Eis então que desaparece o corvo, símbolo do mal, dando lugar a três pombas brancas e a um cordeiro que representam a paz e a pureza, símbolos do bem.
Diz o povo destas paragens que o Conde de Guião foi o primeiro homem a granjear a vinha na região, que, séculos mais tarde, se veio a tornar na primeira região demarcada vitivinícola do mundo: a Região Demarcada do Douro.
Os durienses, aqueles que trabalharam e ainda trabalham a vinha, foram e ainda são os verdadeiros herdeiros do Conde de Guião. E não se esqueceram dele: todos os anos, no seu feriado municipal, os santa-martenses costumam representar a sua "Lenda Fundacional" ao ar livre na Praça Principal da Vila, junto ao Edifício Municipal; e há quem afirme que este será o resultado da evolução, somando os melhoramentos aos aumentos, durante séculos, do inicial "abrigo" do Vitivinicultor Guião. Talvez parte das suas fundações sejam ainda os alicerces originais do Palácio do Conde de Guião, de Guion, ou de Guillon, conforme as versões. Será a evolução do antigo "palacio francisco" dos tempos de El-Rei Dom Afonso Henriques?
Esta lenda encontra-se representada no painel central do vitral existente na Casa dos Durienses Vitivinicultores, sita na Cidade do "Peso da Régua, Capital do Douro e Cidade do Vinho" - Imagem 1.
Parte do vitral, lado esquerdo do painel central, onde estão representados
a Capela a arder, Santa Marta, o Conde de Guião e o corvo.
Imagem 3
Parte do vitral, lado direito do painel central, onde estão representados
o Conde de Guião a oferecer as uvas à Santa, o Cordeiro e as 3 pombas.
Adaptação de Monteiro deQueiroz, [dia 21, ano 21, séc. 21]
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Nota 1: “Pinna Guian”
In delimitação do Couto da Albergaria do Marão, criado em Março de 1134 por D. Afonso Henriques, doc. do Arquivo Distrital de Braga, Gaveta de Coutos e Honras, n.º 2. / por PARENTE, João, Idade Média no Distrito de Vila Real, Tomo I, pág 101.
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Nota 2: Monte Penaguião = Fraga da Ermida / Marão
“In Dei nomine. Ego rex domnus Sancius una cum filiis et filiabus meis facio tibi Bono Homini kartam de hereditate mea propria quam habeo in Pena Guian. Et est pernominata illa heremita de subtus monte Pena Guian quomodo diuidit cum Ferraria et de alia parte cum populatione de Fontes et de Crastelo et de Tauuadelo.”
In Documentos de D. Sancho I, n.º 143, pp. 222 e 223. Chancelaria de D. Afonso III, livro 2, f. 30 v. / por PARENTE, João, Idade Média no Distrito de Vila Real, Tomo I, pág 201.
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Nota 3: Conde de Guião
3.a. Conde de Guião:
Não se conhece, que se saiba, quaisquer referências históricas ao Conde de Guião, também escriturado Guion ou Guillon, se seria realmente este o seu nome, se era de origem francesa ou até sequer se alguma vez existiu. Que tenhamos conseguido apurar, nem se sabe como surgiu a forma Guillon. Também não se sabe se se trata de um nome próprio ou de um apelido de família.
3.b. Sabemos que acompanhando o Conde Dom Henrique da Borgonha, mais tarde Conde de Portucale, pai do rei Dom Afonso Henriques, vieram à Península na passagem dos séculos XI para XII vários nobres franceses.
3.c. “palácio francisco” = “palácio francês”:
Na Carta de Doação da Ermida de Santa Comba, na margem esquerda do Corgo, de 24.abr.1138, emitida por Dom Afonso Henriques, é referido nas delimitações do couto um “palacio franscisco”, sendo que “francisco”, há data, significava francês. In Chancelaria de D. Afonso III, livro 2, f. 72 v.; Leitura Nova, livro 2, f. 260. / por PARENTE, João, Idade Média no Distrito de Vila Real, Tomo I, pág 112.
3.d. Guillon:
Em França, na região administrativa de Borgonha-Franco-Condado, existe uma comunna chamada Guillon (Guillon-Terre-Plaine).
Borgonha é a origem do Conde Dom Henrique, mais tarde Conde de Portucale, pai do rei Dom Afonso Henriques.
3.d.1: “Guillon é uma comuna francesa na região administrativa de Borgonha-Franco-Condado, no departamento de Yonne. Estende-se por uma área de 11,86 km². Em 2010 a comuna tinha 464 habitantes.” in https://pt.wikipedia.org/wiki/Guillon, [r.21.jan.2021], Wikipédia, a enciclopédia livre.
3.d.2: “Guillon-Terre-Plaine é uma comuna da França, no departamento de Yonne. Foi instituído em 1 de janeiro de 2019 pela fusão das antigas comunas de Guillon (a sede), Cisery, Sceaux, Trévilly e Vignes.” in https://en.wikipedia.org/wiki/Guillon-Terre-Plaine, [r.21.jan.2021], Wikipédia, a enciclopédia livre.
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Nota 4: Santa Marta
Marta, irmã de Lázaro e de Maria Madalena, três amigos de Jesus Cristo que viveram em Betânia, antiga Judeia, simboliza o trabalho e é representada iconograficamente como dona de casa diligente, sendo padroeira das donas de casa, com uma vassoura, uma concha de sopa, ou um molho de chaves na mão. O seu dia litúrgico celebra-se a 29 de Julho. O culto a Santa Marta liga-se a uma devoção anterior à Nacionalidade e bastante divulgado na Idade Média, sendo este culto um dos mais antigos na Península, sobretudo no norte de Portugal.
in Net & in https://santamartadepenaguiao.wordpress.com/2011/03/29/hello-world/, [r.28.dez.2020]
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Nota 5: Santa Marta, hagiotopónimo
(ou topónimo com o nome da Santa):
(O lugar de) Santa Marta, atual vila sede do Concelho de Santa Marta de Penaguião, aparece referenciada pela primeira vez em 27.set.1282, na Carta de Foro passada pelo Rei D. Dinis de um “herdamento (do Rei) que chamam Santa Marta do Julgado de Penagoyam”. In Chancelaria de D. Dinis, livro 1, f. 56 e 56 v. / por PARENTE, João, Idade Média no Distrito de Vila Real, Tomo II, pág 64.
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Nota 6: Capela de Santa Marta:
No Lugar do Alto, em Santa Marta de Penaguião, existe uma Capela dedicada a Santa Marta. Santa Marta é a padroeira da Região Demarcada do Douro, instituída com a criação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro em 10 de Setembro de 1756 por alvará de D. José I. In IVDP, https://www.ivdp.pt/consumidor/historia. [c.23.jan.2021]
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Nota 7: Vitral da Casa do Douro
[Santa Marta] "Protectora da Região Demarcada do Douro, o papel de ofício utilizado pelo provedor e deputados da Junta da Administração da Companhia-Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (criada por Pombal, e instituída por alvará régio de 10 de Setembro de 1756) utilizava o Selo ou, como se diria hoje, o Logotipo da Instituição com a efígie da Santa e no fundo uma videira com a seguinte inscrição latina: "Providentia Regitur", que quer dizer: a Divina Providência governa (ou rege) tudo.
Santa Marta encontra-se reproduzida em belo vitral no edifício da Casa do Douro, no Peso da Régua, pela mão do Pintor Lino António. Este foi acabado em 1945 e sintetiza toda a dinâmica e beleza desta região, tem uma área aproximada de 50 m² formando um tríptico. No painel do centro podemos ver três grandes figuras.
A figura do centro representa a Casa do Douro, e mostra um pergaminho onde se lê "...Casa do Douro, decreto 21 883, Novembro de 1932". Quer isto dizer, que o governo, através do referido decreto-lei, cria a Federação Sindical dos Viticultores da Região do Douro, em Novembro de 1932, hoje Casa do Douro.
A figura [feminina] da esquerda representa a agricultura tendo aos seus pés uma enxada de ganchos. E a figura [masculina] da direita simboliza o comércio e tem na mão um caduceu. As figuras de mãos dadas simbolizam o pacto de honra e cavalheiros, entre a produção e o comércio do Vinho do Douro.
Na parte superior esquerda, está a capela devota de Santa Marta, padroeira do Douro."
in https://santamartadepenaguiao.wordpress.com/2011/03/29/hello-world/, [r.28.dez.2020]
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ESTA LENDA É UMA ADAPTAÇÃO LIVRE DE VÁRIAS VERSÕES DA LENDA DE SANTA MARTA
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por Monteiro deQueiroz, [Adaptação & Estudo][dia 21, ano 21, séc. 21]
Imagem da Net 1 - Foto de Vitor Neves - Excerto do vitral, painel central, existente no edifício da Casa do Douro, Peso da Régua, do Pintor Lino António, onde se encontra relatada a lenda. Vitral de 1945
Imagem da Net 2 - Excerto do vitral, parte esquerda do painel central, existente no edifício da Casa do Douro, Peso da Régua, do Pintor Lino António, onde se encontra relatada a lenda. Vitral de 1945
Imagem da Net 3 - Excerto do vitral, parte direita do painel central, existente no edifício da Casa do Douro, Peso da Régua, do Pintor Lino António, onde se encontra relatada a lenda. Vitral de 1945
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